Sempre fui um pouco “gauche na vida”, meio fora do dentro. Acho que realmente nunca quis ser “in” e, nas vezes que tentei, sempre me senti um estranho no ninho. Meus monstros, minhas dúvidas. Meus sonhos, pequenos desejos de uma alma aturdida pela monótona certeza dos séculos. Cheguei a acreditar nas nações, nas bandeiras, mas tudo tendeu ao niilismo. Humano, demasiadamente humano, duvidei das verdades, pus em xeque meu destino, mudando o nome de dinastias infindáveis, fadadas à loucura inevitável dos 100 anos de solidão. Me reinventei no amor construído, nos tempos do cólera, nos temperos da vida, mas nunca deixei de lado essa estranha sensação drumoniana de “não fazer parte”. Acho que me desencaixei em algum momento ou talvez eu possa mesmo ser um alienígena. Não voto, não tenho time. Não acredito mais nos conceito de nação e reinventei o de família. Achando tudo sempre muito estranho e absurdo, desenvolvi uma ânsia de uma aurea mediocritas, de um fugere urbem, para que eu pudesse viver o tão sonhado carpe diem. E aqui estou, sozinho no meio do mato, numa tarde quente de sexta, escrevendo num notebook um texto que, em breve, publicarei instantaneamente, pelo poder da onipresença digital, a milhares, talvez milhões de pessoas. Peço perdão pelo latim medíocre de professor enferrujado e pelas apropriações indevidas, mas não pude evitar. Se pegassem essa passagem e postassem no facebook, eu poderia ser condenado por plágio. Mas voltemos ao que importa.
O amor à vida é construído intrinsecamente pelo ato de viver. E como viver preocupado com tudo, com as sobrancelhas franzidas de queixas ranzinzas? Quando me encontro no mato longe das pessoas, numa noite que não tem mais fim, desconfio de que não podemos desperdiçar nosso precioso tempo com preocupações fugazes e banalidades coletivas; não podemos mais! Esta vida é muito curta para a gastarmos com as pequenezas das inverdades coletivas instantâneas. No meio do mato, perto dos escorpiões e das cobras, descobri o valor intrínseco de cada coisa, que não pode ser medida apenas pelas lentes luminosas ou pelos valores financeiros ou pelos estatísticos números. Aqui não valem as opiniões digitais pós-contemporâneas, difundidas à exaustão; verdades convenientes momentâneas, mas tão voláteis, por terem bilhões de irmãs fadadas ao mesmo esquecimento dos segundos. O que realmente importa, no fim das contas, é nos amarmos e é a chuva. É nos olharmos, nos sentirmos, e é o sol e a terra. É nos tocarmos mais, nos apoiarmos mais em nossos sonhos, para nos lembrarmos de nós mesmos e para que seja eterno enquanto dure.
Andamos meio esquecidos de nós mesmos. E isso, porque confiamos muito nos grandes sistemas, nas grandes estruturas, que nos ensinam a felicidade do TER. Se não começarmos a pensar e agir no local, no pequeno, não há solução. Se não conseguirmos nos resolver com nossos vizinhos, estamos perdidos. Se por políticos corruptos distantes, um pai e um filho se odiarem, não há saída. Grandes países, grandes empresas, grandes edifícios. Tudo que é sólido se desmancha no ar, e quanto maior a estrutura, maior o tombo. Isso, já ensinavam os livros de história e os tapetes de areia budistas. Peço perdão novamente pela filosofia barata e existencialismo medíocre. Por favor, não postem uma frase solta do seu contexto, ou poderiam me condenar de comunista budista.
Na semana passada, passei pra meus alunos um tema de redação: As diversas crises pelas quais estamos passando e propostas de superação. E por estar trabalhando o tema, pensei muito sobre essas crises, naturais nos momentos de decadência societária. Tenho conversado com muita gente e o que tenho visto como padrão é um frenesi e um cansaço comunicativo, agravado por uma saturação informativa, num contexto de fragmentação semântica, que desvincula a realidade palpável da realidade co-construída, que e retroalimentada por comentários que beiram a insanidade coletiva. Estou vendo pais brigarem com filhos, tios com sobrinhos, irmãos com irmãs, por ideais que nem sequer são ideais, e não passam de banalidades voláteis próprias de uma infantilização societária, travestida de séria, incentivada teatralmente por jornais sérios e aclamados por sérios telespectadores. Por que os olhos estão sendo substituídos pelas telas luminosas? Por que as relações se enclausuram na instantaneidade monótona da onipresença? Hoje estamos em todos e nenhum lugar. Nossa libido é digital. Temos um milhão de amigos virtuais, mas ao nosso lado (ou melhor, na nossa frente), apenas as telas luminosas… Basta ler alguns comentários de internet em torno de qualquer tema e vemos o quão desconectados e infantilizados estamos. Não publiquem as últimas frases desconectadas do contexto, ou poderei ser chamado de sociólogo medíocre. Voltemos ao que importa. O que realmente importa salvar? Em que realmente devemos acreditar? Essa foi parte da problematização dada aos alunos para a difamada dissertação. Mas um fato que ocorreu nesta semana nos fez repensar algumas coisas.
O filho de uma professora da comunidade, um menino de 14 anos, pegou o ônibus e foi pra BH. Já faz uma semana e ninguém sabe do menino. Tomara que tenha sido apenas mais uma fuga de adolescente. Ficamos tocados com a história, já preparando nosso espírito para o estranhamento que viveríamos em breve. Um fato que aconteceu em nossa comunidade e nos pegou de surpresa. Hoje, não foi à toa que tive esta epifania à la Lispector. Hoje, com o país atolado numa crise financeira, à beira de uma crise institucional e política; com o mundo numa profunda crise de consciência coletiva; com o planeta descendo a ladeira na banguela de uma crise ambiental. Hoje, que o dia acordou invertido, com notícias longínquas de um impeachment, aconteceu um evento digno das mais raras epifanias. Um ex-aluno de nossa escola, garoto inteligente, sorridente e, há quem diga, bonito, não suportou a crise. A crise fora mais forte que ele e não lhe deixou saída. Foi achado na obra do pai, dependurado por uma corda ao pescoço, como um estandarte dos tempos incrédulos, como que avisando aos alunos ingênuos que iam pra escola que, talvez houvesse mesmo algo a temer, talvez houvesse mesmo fantasmas e monstros; como que lembrando aos transeuntes que a vida possa mesmo ser tão efêmera quanto uma gota de orvalho e tão breve quanto um soluço no escuro.
Cheguei na escola e havia algo diferente nos olhares. Olhos distantes, pensativos. Novamente, o velho gauche me possuiu, como um espírito em seu cavalo num terreiro de umbanda. O velho calafrio. A dúvida. Na hora, ao pensar no morto e na crise política, fui de Jesus crucificado ao intrépido Hitler. Pensei no esfarelamento das eras e então me lembrei dos que eu amava. Minha família, meus amigos, meus conhecidos, toda a humanidade, meus alunos queridos. Me deu vontade de abraçá-los todos e tentar fazê-los acreditar que talvez, se ficarmos juntos, haja alguma saída. Mas o sentimento do insolúvel era maior que meu desejo e repentinamente eu vi que todos estavam meio epifânicos. Os quietos se exaltavam e os bagunceiros se acalmavam. Alguns olhares vazios. Outros, pensativos. Todos os lugares estavam desconfortáveis e acho que todos nós, de uma certa forma, nos sentimos gauche na vida. Nem eram tantos comentários, tamanho o tabu instantâneo da existência invertida. Ser ou não ser, eis a questão, que podia ser resolvida com uma simples corda e um nó no pescoço. Pensei em cachecóis, colares e gravatas. Pensei nas algemas, correntes e prisões. Tudo que nos dá um nó na garganta. Não pude deixar de fazer um apelo para que não entrassem na normose treinada para uma idiocracia, para que não deixassem se iludir pelos ideais falsos da felicidade consumista, que não se permitissem ser hipnotizados pela mídia, e bla-bla-bla-bla… No final, apenas palavras bonitas… No final, apenas a imagem dos que amamos na vida. Dos irmãozinhos de caminhada com quem podemos dividir tamanhos sofrimentos e tentarmos junto encontrar alguma saída. De nossos companheiros de estrada que, mesmo tatuados, evangélicos ou barbudos, temos a dádiva de poder dividir essa coisa chamada vida. Espero que toda essa insanidade coletiva possa diminuir e que possamos ser mais presentes, ao invés de dar mais presentes. Desculpem –me pelas apropriações de títulos de filmes e livros, além dos ditados ditos na língua nossa ou no latim clássico. Se alguém pegar um fragmento desconectado do contexto e fizer um comentário no facebook, vou preso por plágio, ou por falsidade ideológicas, pois aos rasos é vetada a compreensão das antíteses. Por isso, já peço perdão de antemão.
E para terminar, dou graças por ser um anarquista místico com jeito de ateu e que não tenha que escolher entre ser catélico ou evanjólico em nome de Deus; e que eu não tenha que optar em ser coxalha ou petrinha, todos filisteus . Rezo pelos irmãos que ainda se agarram às mesmices das eras e às pequenas mesquinharias. Pelos que, por causa de opinião ou dinheiro, alimentam briguinhas. Rezo para que possamos nos dar as mãos e sermos capazes de nos reinventar no pequeno tempo que temos e acharmos juntos alguma saída. O que começou como carta aberta, se transvestiu de ensaio e terminou como oração. Assim seja. E desculpem pelo palavriado difícil e os neologismos cultistas. Não publiquem eles fora do contexto original ou poderei ser acusado em primeira instância.
Assim seja. Assim é.
Gustavo Barhuch

Arco-íris na Lapinha da Serra, em 17 de abril de 2016.
E apesar das pequenezas humanas, a natureza permanece soberana!